Gostem ou não, algumas hipocrisias na política precisam ser escancaradas e criticadas. Vai sempre ter alguém – normalmente um hipócrita – para considerar toda e qualquer crítica resultado de preferências partidárias, de esquerda ou direita, já que vivemos nesse ambiente hostil de polarização entre dois espectros.
Ainda assim, é preciso apontar as hipocrisias, sem medo. Na quarta-feira (12), o presidente Lula (PT) afirmou, durante um evento oficial no Palácio do Planalto, que colocou “uma mulher bonita” para poder estabelecer uma melhor relação e diminuir a distância com o Congresso Nacional. A “mulher bonita” em questão é Gleisi Hoffmann, nova ministra da Secretaria de Relações Institucionais do Governo Federal.

Num desejável mundo sem tantos mimimis, essa fala - infeliz é verdade - talvez não devesse gerar tanta polêmica. No entanto, ela partiu do líder maior de um grupo político que é especialista em fazer zoada e gritaria justamente com esse tipo de declaração. A esquerda vive de lacrar no “repúdio” a manifestações de toda sorte que seus próceres consideram machistas, preconceituosas, misóginas, homofóbicas, etc.
Então porque, diante da declaração de Lula, a esquerda brasileira não criticou de forma agressiva e sistemática como costuma fazer? Por que não houve um repúdio veemente de entidades de esquerda à fala considerada misógina e machista do presidente? E se a frase tivesse sido pronunciada pelo ex-presidente rival do PT ou por algum líder destacado da direita? Essa hipocrisia vergonhosa e abjeta os sensatos não engolem.
Pior do que não criticar, aqueles ferozes patrulhadores de frases de rivais se empenharam em fazer uma defesa enfática da fala de Lula. A própria “vítima”, Gleisi Hoffmann, saiu em defesa do presidente e classificou como “ataque” a repercussão que os adversários fizeram da fala do seu chefe. Dessa vez, a companheirada militante não se esforçou para problematizar o fato de Lula colocar a beleza que ele vê em Gleisi na frente das supostas qualidades dela enquanto pessoa pública, mulher e ministra.
Ainda mais grave, alguns políticos trataram de tentar encontrar uma razão louvável para Lula ter se referido assim à sua nova ministra. Dias atrás, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em mais um dos seus absurdos verborrágicos, afirmou que as mulheres petistas são “feias” e “incomíveis”. Diante da fala de Lula, alguns desonestos intelectuais tentam emplacar a desculpa de que, ao falar da beleza de Gleisi, o presidente quis responder a declaração de Bolsonaro, enaltecendo a beleza das mulheres do PT.
Esse não foi o primeiro desatino de Lula que sua companheirada passou pano. Em seu terceiro mandato, o líder petista tem se mostrado uma metralhadora de gafes e declarações polêmicas que atingem determinados segmentos e/ou minorias.
A grande verdade é que reina a hipocrisia na forma como a esquerda encarou o episódio de Lula com Gleisi Hoffmann. Para a maioria da companheirada, o machismo, o preconceito, a homofobia e a misoginia são grandes males, mas depende de quem as pratica.